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O FIM DA DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA?

demissão sem justa causa

O STF pode proibir a demissão sem justa causa? Entenda a questão que ganhou as páginas de notícias no início deste ano.

Há 30 anos, existe uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre proteção ao trabalhador contra a demissão sem justa causa. A OIT é uma entidade criada para garantir no âmbito internacional adequadas condições de trabalho ao trabalhador.  

Para tanto, elabora Normas Internacionais do Trabalho que estabelecem direitos trabalhistas. Entre essas, estão as Convenções, que devem ser observadas pelos países que as ratificam, passando a ter validade internamente. 

O vai-e-vem da proibição da demissão sem justa causa

Em 1982, a OIT criou a Convenção 158 que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, conforme estabelece o seu artigo 4º:

“não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”  

Embora essa Convenção tenha sido ratificada pelo Brasil através do Decreto 1.855/96, em seguida, ela foi denunciada pelo Decreto 2.100, de 20/12/96.

Porém, a denúncia foi questionada judicialmente em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625) em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Na época, as entidades argumentavam que o decreto que alterava o entendimento sobre a demissão sem justa causa deveria ter sido ratificado pelo parlamento.

A tramitação atual da questão da demissão sem justa causa

Como a cada voto havia um pedido de vistas do ministro julgador, essa ADI ainda está tramitando no STF.

Até agora oito ministros já votaram, sendo o último Dias Toffoli no final do ano passado.

Por enquanto, existem três posicionamentos sobre o tema da proibição da demissão sem justa causa estabelecida pela OIT. 

No caso, três ministros entendem que o presidente da República não pode, sozinho, revogar o decreto sem aprovação do Congresso. Para eles, a retirada do Brasil da Convenção 158 da OIT é inconstitucional.

Entretanto, outros três ministros consideram o decreto que denunciou a Convenção 158 da OIT válido e constitucional. Para esses ministros, é desnecessária a autorização do Congresso.

Já outros dois ministros votaram pela necessidade de confirmação do Congresso Nacional para a revogação do decreto.

Neste momento, faltam ainda três votos, sendo que o ministro Gilmar Mendes pediu vistas.

Diante do impasse, como fica o tema da demissão sem justa causa?

Com a proximidade do fim do julgamento, que já dura 25 anos, muitas dúvidas vêm surgindo a respeito do assunto. A principal é se a Convenção 158 da OIT passar a ter validade no Brasil, o empregador ficará impedido de despedir sem justa causa seu empregado.

Porém, independentemente do resultado da ADI 1625, a questão da garantia do emprego merece alguns esclarecimentos.

Primeiramente, o contrato de trabalho pode ser rompido pelo empregador sem justa causa ou por justa causa. Também pode ser rompido pelo empregado por pedido de demissão ou por despedida indireta, esta última, por meio de reclamatória trabalhista. E, ainda, o contrato de trabalho pode ser rompido por término do prazo pré-fixado, como nos casos de contratos por experiência ou contratos a prazos determinados.

Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso I, aduz se constituírem em direitos do trabalhador “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar.”

Por sua vez, o artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, diz que:

Art. 10 – Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, “caput”, e § 1º, da Lei nº 5107, de 13 de setembro de 1966;

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

  1. a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final do seu mandato;
  2. b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Quando a demissão sem justa causa já é proibida?

Então, a demissão sem justa causa é permitida desde que o empregador pague as parcelas rescisórias e a multa de 40% sobre os depósitos em sua conta vinculada do FGTS, com exceção do cipeiro e da empregada gestante. 

Além desses, outros empregados são considerados estabilitários ou com emprego garantido provisoriamente. Por exemplo, são os casos do dirigente sindical e do empregado que volta à atividade depois de sofrer um acidente do trabalho ou ser acometido por uma doença profissional.

Nesse sentido, o TST tem o entendimento de que a lei complementar é o meio pelo qual se deve estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, na forma prevista na Constituição Federal. Para o Tribunal, a própria Convenção 158 exige a edição de lei para definir as regras sobre o tema da demissão sem justa causa. 

Convenção da OIT x CLT

Veja que a “justificativa” prevista no artigo 4º da Convenção 158 da OIT não afasta, tampouco se confunde com a justa causa prevista no artigo 482 da CLT, o que implicaria conflito de normas. Estamos falando, portanto, de normas com objetivos diferentes. 

Logo, as interpretações dadas à Convenção 158 da OIT de que ela estabelece “estabilidade no emprego”, “despedida apenas por justa causa” e “reintegração ao emprego” estão completamente equivocadas e vão de encontro ao direito constitucional do exercício da livre iniciativa, conforme artigo 170 da Constituição Federal.   

Além disso, temos uma inconstitucionalidade de ordem material no artigo 4º da Convenção 158. Caso seja acolhida no Brasil, ela pode dar margem à interpretação de que é possível a reintegração do emprego. Mas essa prerrogativa está em desacordo com os princípios insculpidos no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, que assim dispõe:

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. (Grifo inexistente no original) 

Portanto, a Constituição Federal dispõe expressamente que, no tema despedida arbitrária ou “demissão sem justa causa”, assegurará a indenização compensatória. Ou seja, não pode ser substituída por outra forma de reparação nos casos de término injustificado do contrato de emprego. 

Assim, a Constituição admite expressamente a dispensa, mediante indenização compensatória. Além disso, reconhece o instituto da estabilidade no emprego de forma taxativa: dirigente sindical, gestante, diretor da CIPA e empregado que sofre acidente de trabalho ou doença laboral.

Neste sentido, é o artigo 496 da CLT. O texto esclarece que caso a reintegração de um empregado estável for desaconselhável, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização. Encontramos esse princípio também na súmula 396 do TST: “Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego”.

Dessa forma, a Constituição Federal deixou claro que o princípio a ser seguido não é o da estabilidade plena. Essa prerrogativa já foi excluída do ordenamento jurídico quando da criação do FGTS. Ou seja, não existe mais a estabilidade decenal, a não ser nos casos de direito adquirido.

A saber, a Convenção 158 da OIT é uma norma de princípios na medida em que traça linhas gerais sobre a terminação do contrato de trabalho nos países que a ratificaram e repetidamente remete à legislação nacional da nação amiga a instrumentalização legal para sua aplicabilidade. 

Como exemplo, seguem abaixo alguns trechos da Convenção 158, da OIT:

Artigo 1º – Dever-se-á dar efeito às disposições da presente convenção através da legislação nacional

Artigo 8º, §2º – Se uma autoridade competente tiver autorizado o término (da relação de trabalho), a aplicação do parágrafo 1º do presente artigo poderá variar em conformidade com a legislação e a prática nacionais;

Artigo 12 – Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, todo trabalhador cuja relação de trabalho tiver sido terminada terá direito:

Artigo 14, item 2 – A legislação nacional poderá limitar a aplicabilidade 

Conforme se constata das várias expressões acima citadas, a Convenção é inequivocamente uma norma de princípios.

A demissão sem justa causa pode ser proibida no Brasil?

Considerando todos os argumentos acima expostos, resta claro que a denúncia da Convenção 158 da OIT se mostra absolutamente adequada. As regras nelas constantes efetivamente são incompatíveis com a legislação brasileira com relação à proibição da demissão sem justa causa. Principalmente, com os tempos modernos e os anseios maiores da sociedade.

Inegavelmente, a garantia de emprego já está prevista na legislação pátria, ainda que necessite de regulamentação. Portanto, seria desnecessário acolher as diretrizes previstas na Convenção 158 da OIT sobre o assunto. De qualquer forma, é necessário o julgamento final da ação sobre a eficácia do Decreto nº 2.100/96 para sabermos a aplicabilidade ou não da Convenção 158 da IOT, inclusive no que se refere a sua extensão temporal.

Por fim, cabe informar que ainda existe uma outra Ação Direta de Constitucionalidade com o mesmo objeto (ADC 39), proposta em 2015 pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Essa ação busca a declaração de constitucionalidade do decreto de denúncia presidencial, o que mostra que esta matéria ainda será motivo de muito debate. 

*Sócio do De Bellis Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho. 

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