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A EMPREGADA DOMÉSTICA NA SENZALA MODERNA

empregada doméstica

A escravidão acabou? Na Revista Piauí, nº 191, de agosto de 2022, foi publicada uma matéria denominada “A DEPENDÊNCIA”, de autoria de Tiago Coelho. O texto e as fotos mostram a dependência da empregada doméstica, que existe em casas e apartamentos, muitas vezes considerada uma senzala modernizada.

Em síntese, o artigo traz depoimentos de mulheres e seus filhos sobre as condições humilhantes. Eles vivem em uma dependência minúscula, sem ventilação e, em alguns casos, dividindo espaço com a máquina de lavar roupa.

Sem dúvida, revela um retrato cruel das reais condições de trabalho da empregada doméstica – ou do empregado. Alguns vivem, acreditem, em estado análogo à escravidão.

Escravidão da empregada doméstica

Recentemente, uma decisão unânime do Tribunal Superior do Trabalho evidenciou essa situação. Foi mantida a condenação de uma ex-professora e de duas filhas ao pagamento de indenização de R$ 1 milhão a uma empregada doméstica.  Durante 29 anos, ela foi submetida a condições degradantes de trabalho, análogas à escravidão. Ela teve de trabalhar desde os sete anos de idade, sem ter tido a oportunidade de estudar. 

Em outro caso, em maio, uma mulher de 84 anos foi resgatada de condições análogas às de escravo após 72 anos como empregada doméstica. Nesse período, ela trabalhou para três gerações de uma mesma família no Rio de Janeiro, sem receber salário! 

Segundo dados obtidos pela OIT Brasil, mais de 55 mil pessoas foram libertadas de condições de trabalho análogas à escravidão entre 1995 e 2020. 

Empregada doméstica por um prato de comida

Surpreendentemente, em meio a modalidades de trabalho como home office e novas tecnologias, ainda nos deparamos com condições degradantes, como a da empregada doméstica.

Para a advogada Fabiola Marques, a pobreza, o analfabetismo e a cultura escravocrata contribuem para a existência de relações de trabalho que desrespeitam as regras de civilidade e a legislação trabalhista. Essa situação sujeita a empregada doméstica a trabalhar em condições degradantes e, em alguns casos, apenas por um prato de comida. 

Infelizmente, ainda temos casos de “contratação” de menores para trabalho doméstico – muitas vezes gratuito. A situação é mascarada pelo argumento da assistência social. Nesse caso, ocorre uma alienação do empregado, que se vê privado da convivência social e vida particular, sem direito a descanso e férias.

Empregada doméstica sem registro

Além disso, não podemos esquecer que, muitas vezes, a emprega doméstica sequer tem Carteira de Trabalho assinada. Isso a impede de receber benefícios trabalhistas e, principalmente, de conquistar o direito à aposentadoria.

Ademais, não é raro o caso de empregada doméstica que é descartada, ao final da relação, sem receber qualquer parcela trabalhista ou indenização. Esse é um dos problemas destacados na da reportagem Revista Piauí, acima referida.

De fato, esse desrespeito aos direitos dos empregados domésticos – seja do ponto de vista da dignidade humana, seja do ponto de vista dos direitos trabalhistas – decorre da cultura de nossa sociedade. 

Nesse sentido, parece “natural” ter uma empregada doméstica sem pagar os direitos trabalhistas. Isso ocorre sob o argumento de uma falsa relação de afeto para mascarar a exploração laboral.  Nessa situação, vangloria-se aos quatro cantos que a empregada doméstica “é como se fosse da família”.

Trabalho análogo à escravidão

Historicamente, o Brasil ratificou a Convenção sobre Trabalho Forçado. O texto define “trabalho forçado ou obrigatório” como o exigido sob ameaça de qualquer penalidade e sem espontânea vontade.

Segundo o artigo 149 do Código Penal, é crime “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

Assim também, é crime “frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”. 

Portanto, não há mais espaço para situações como as descritas acima.

Embora a legislação trabalhista tenha avançado a favor da empregada doméstica, ainda há muito a ser feito para garantir condições adequadas à categoria.

Mas, o mais importante, é tentar transformar esta cultura retrógrada quanto ao papel da empregada doméstica dentro da estrutura familiar.

Só assim, conseguiremos respeitar a pessoa, reconhecendo o verdadeiro valor de seu trabalho, com dignidade e profissionalismo, garantindo todos os direitos previstos em lei. 

*Sócio do De Bellis Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho. 

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